8.2.08

O sentido dos mundos

Diz Henrique Burnay, no 31daarmada, que,

Com certeza que, das duas uma: ou Henrique Burnay não vive no Alentejo e está a mandar bitaites sobre uma realidade que desconhece profundamente, por lá passando de quando em vez, dentro do veículo olhando de cima para baixo essas aldeias perdidas, ou, vivendo no Alentejo, não se apercebe da miséria económica e cultural em que está aquela região. E de facto parece-me até que em nenhuma destas duas opções Henrique Burnay teria razão. Mas detentor de uma sapiência alentejana que me permite alvitrar dois ou três apontamentos sobre o quotidiano daquelas (que são as minhas) gentes, digo:
É de mau tom fundamentar uma incompreensão e birrinha pessoal "ao amor do Estado pela saúde" porque não se pode sacar do cigarro num café utilizando como experimento para observação uma amostra dos homens alentejanos a fumar e a beber minis e suas mulheres em casa - ou na cozinha -. Pobres dos homens alentejanos? Não. Pobres daqueles que, em altivez, não conseguem, não querem, não podem ver o que é que por ali vai. Mas eu digo o que por ali vai:
Vai uma região com o maior índice de suicídios per capita do país;
Vai uma região onde os miúdos (não são só alguns, são todos) fumam e bebem desmesuradamente, sendo que alguns deles com 21 ou 22 anos parecem ter quase 30;
Vai uma região onde não existem empregos para lá do campo ou "das vendas";
Vai uma região onde existe um índice inaceitável de analfabetismo num país, europeu, extra-europeu, seja de onde for, you name it.
A tentativa de romantizar os velhos, tristes, calados, sentandos nos seus banquinhos, só porque os fizeram ir fumar para a rua, não podia ser mais desajustada. Primeiro, porque um alentejano nunca se separa da sua mini. Segundo, porque nesses sítios a vida, tão mais difícil, é também tão mais simples. Terceiro, porque romantizar é, no geral, querer aniquilar qualquer pensamento crítico e de mudança. É a mesma coisa que ir à Índia, ver vacas no meio da rua, pedintes por todo o lado e dizer "coitadinhos", sabendo, no âmago, que não é por vontade delas que acordam com bostas à porta de casa. Fosse o cigarro no café o maior problema.
Por fim, dizer que a mim, não fumador activo, desde 1978 até ao início deste ano, nunca ninguém me tinha perguntado se havia ou não problema em ir a um café e ficar com os pulmões, e já agora, a roupa, impregnados de tabaco queimado. Lamento profundamente, isso sim, que se tenha criado uma lei com tantas excepções que, ao fim e ao cabo, está a levar à reimplantação dos fumos em todo e qualquer local de restauração. Não se faz nada a sério, por cá.

2 comentários:

Anónimo disse...

Só agora vi este seu post. "O Henrique" conhece o Alentejo, e um post não é um ensaio. E o resto goes without saying. Não pretende ser uma análise sobre as causas e consequências da miséria alentejana, é apenas um retrato de uma parte da realidade. Ah, mas os furiosos do antitabagismo não percebem isso e têm de misturar velhotes a fumar cigarros à beira da rua com o alcoolismo dos jovens. Fazer quê?

B disse...

Caro Henrique,

acho que neste momento já não se justifica continuar com este tema o qual, no entanto, teria todo o gosto em prolongar. Na verdade, poderia também dizer que "a realidade" não é compartimentável, mas enfim, fica para uma próxima vez. De qualquer modo, tenho gosto em que tenha passado por cá.

Cumprimentos