17.7.07

Simbologias


A raíz é estruturalmente publicitária e humorística, mas levanta uma questão de fundo. Não poderão os deuses de antigamente coexistir com as iconografias actuais? Não assumirão estas tanta importância quanto os outros, principalmente dado o próprio sistema de significação em que se tornaram?
O propósito subjacente à criação dos Simpsons era parodiar o american way of life, usando da crítica e ironia a muitos aspectos característicos de uma família americana típica. De uma maneira sublime, diga-se. Mas o culto em torno desta série incorporou-a totalmente no mercado (a Fox como exemplo magistral) ao ponto de uma estratégia promocional poder enfrentar, simbolicamente, figuras como a de Cerne Abbas. A polémica é compreensível, haverá com certeza gente que adorará este símbolo de fertilidade mais que a qualquer outra coisa (quiçá quem dela mais precise), mas a semiótica não se pode esgotar nas figuras e representações idas.
A criação de divindades actuais, em que Homer Simpson é indubitavelmente ocupante da linha dianteira, pode e deve ter espaço por direito próprio. Porque os valores de uns e de umas não são com certeza os valores de outros/as. Porque as importâncias são relativas, porque as divindades são relativas, porque os próprios deuses são hoje relativos.
O "nosso" Homer, abanando o seu donut ao vento num campo verdejante inglês assume um interesse histórico inquestionável. Porque é crítica social pertinente e relevante. Porque se há duzentos ou alguns milhares de anos a fertilidade se tornou adorada, hoje as temáticas são outras, as complexidades são outras, os deuses são outros. Na mitologia grega, Hermes como deus do texto, Afrodite deusa do amor, Ares deus da guerra, Métis deusa da sabedoria e da prudência. Homer Simpson. A disrupção é tremenda, óbvio, será exagero nomeá-lo um deus. Mas não desempenha este um papel fundamental na crítica? É preciso, como é claro, não comprometer a existência de um com o outro, isto é, a não destruição ou dilaceração do símbolo da fertilidade, mas a imagem aqui apresentada, não será ela um marco?
A polémica não se esgota na coexistência das duas figuras lado a lado. O verdadeiro interesse da questão vai bem para além disso. Centra-se, entre outras coisas, na importância que algumas divindades assumiram no estilo de vida ocidental e contemporâneo, no potencial que podem conter.
Mais do que nunca, a criação de divindades mediaticamente construídas ombreia hoje com o plano da religião. Nem que seja pintada com tinta biodegradável.

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