26.11.07

O primo da seringueira

Os pequenos, cónicos e arredondados resquícios em tons acizentados estavam espalhados por cima da secretária, irregularmente, conspurcando o tampo. E eram tão difíceis de remover. Estranho, dado que tinha fortes hábitos de limpeza impregnados. No seu corpo e nas extensões deste. A roupa, sempre lavadinha com um toque de amaciador no final, cheirinho a lavanda, bem engomada, e o monitor, sempre límpido e cristalino cada vez que iniciava uma sessão, onde ao pedido de palavra-passe era digitado "macramé". Sem dúvida, tinha estado a apagar algo de um livro, ou de uns livros. A senhora da limpeza, chegada às seis e meia desta segunda-feira e apanhada de surpresa por encontrar aquele chavascal, nada costumeiro naquela mesa, suspirou "há gente do pior, nunca se sabe o que esperar das pessoas". No entanto, há já três dias que ninguém sabia do Jaime. Uns diziam "eclipsou-se", outros, que tinha "desaparecido do mapa". Procuraram-no o fim-de-semana inteiro. Nada. Sem o saberem, estavam próximos da verdade. O Jaime, de tanto ímpeto que metera em apagar as linhas de um livro que tinha que devolver na biblioteca até às 19 pos meridian sob a ameaça de pagamento de uma multa de 0,67€, tinha-se apagado a si próprio, tendo começado, acidentalmente, no meio indicador esquerdo (não meio, na verdade só tinha perdido a falange) que ainda mantinha depois de perdida a outra metade, quando um esquilo queriducho o arrancou, juntamente com a avelã que ele cuidadosamente guardara no bolso superior do paletó, remanescente de um saco de frutos secos sortidos oferecido pela madrinha Doritas, da Baixa da Banheira por ocasião do 37º aniversário do seu baptismo na Igreja de Sernancelhe. Mas o Jaime era, acima de tudo, conhecido por ser um tipo altruísta. Facto que não se comprovara nesta última página da sua vida. Não tinha, até dado momento, apagado toda a sua história, mas o horror de enfrentar mais uma vez aquela bibliotecária que lhe parecia querer arrancar a cabeça de cada vez que entregava um livro depois do prazo foi o suficiente para ainda deixar escrito num post-it cobarde,

"Por favor devolvam o livro à bibli t

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