14.9.07

Estórias do Bairro #2

Parece que foi ontem. Manual de boas e más práticas.

numa partida intensa e bem disputada no bairro, éramos os "pequenos" contra os "grandes", i.e., os putos contra os adultos, ou quase adultos, vá. O resultado? Totalmente desequilibrado, contra nós. Uma equipa construída de remendos, e remendados, ainda que jovens. Mais, a nossa equipa, em si, era desequilibrada. Referir, entre outros pormenores, que o nosso guarda-redes tinha qualquer coisa como 3 dioptrias em cada olho, e uma bola que fosse direita à baliza, e entrasse, só era percepcionada pelo campo de visão deste nosso companheiro quando se ouvisse o ruído da mesma a bater no fundo das redes e ele olhasse para trás. Ainda assim, com um gesto como que para simular a potência do remate que tinha resultado em golo e assim se pudesse desculpar, o moço ainda agitava os braços, numa tentativa ridiculamente utópica de parar uma bola há muito destinada ao seu propósito final. O golo.

Adiante. Como muitos dos "grandes" fumavam, a única coisa que nos podia safar era a rapidez própria da idade e da falta de peso excessivo. Faltavam dois minutos para o jogo acabar, e o resultado cingir-se-ia, digo eu, a uns 19-19.

À rasca, bem à rasquinha, lá nos íamos aguentando. Marcando um golito, sofrendo outro. Num pénalti, fui eu à baliza. Os meus amigos disseram nessa altura "quando o gajo for chutar, foge da baliza, pode ser que ele falhe". Não falhou. A baliza, digo. Já tinha eu dado os primeiros dois passos quando, no meu ouvido direito, ouço um estilhaço que me ia rebentar 23 vasos sanguíneos. E seria golo. Teria sido. Se durante esse percurso de fuga enlouquecida a bola, curiosamente, não me tivesse batido no calcanhar e saído para fora. Piúrsos, foi como eles ficaram.
"Cabrão do puto até a fugir da bola a defendeu!"

Com isto, faltava menos de um minuto para o jogo acabar, e o empate persistia. Até que veio a jogada suja. Numa falta que disso só teve o nome, soou o apito. O árbitro era o pai de um dos nossos. Enquanto os "grandes" se distraíam a discutir se era ou não falta com o senhor do apito, ou o senhor Álvaro, talvez, pegámos na bola e pusemo-la no local da infracção. O Gonçalo, dono e senhor do remate mais potente à altura, meteu-a lá dentro, na gaveta. A celebração veio depois, com uns Sumóis e Capri-Sonne frescos.

No bar do bairro, ainda no calor da partida, o senhor Álvaro lá se descaiu "Eh pá, os putos tinham que ganhar!". É mais ou menos a mesma coisa que o
Maradona diz. Se bem que aquilo não era um Campeonato do Mundo, era o nosso campeonato, ou, recorrendo ao lugar-comum, era o campeonato do nosso mundo. Não sei se isso teve influência no nosso carácter. Se não houve algo ali, foi espírito desportivo. Mas que ainda hoje nos orgulhamos dessa vitória, orgulhamos. Nem mais Maradona, nem mais!

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