21.8.07

Notas de praia #1


A imagem tinha tudo para ser humorística, ou repugnante, se preferirem. O pai, barrigudo, muito, mesmo muito, cordão de oiro ao pescoço, os calções já por baixo do último pneu, o bigode farfalhudo, óculo de sol com lentes à campeão e um boné, talvez, das bombas da Galp da Baixa da Banheira. No fundo, alguém que, entre outros factores, há muito deixou de ver a ponta dos pés ostentando a posição erecta.


A mãe e os dois filhos, não das figuras que suscitam mais contemplação nos areais (à excepção de algum voyeurismo desviante), deitados a queimar, dormidos, dormentes quiçá, o bronze faz as pessoas mais bonitas, dizem. A aparência é tudo. Um dos rapazolas, seguindo as pegadas dos progenitores, com umas boas dez dezenas de Quilogramas das quais uma percentagem não inferior a 30% estaria claramente em excesso, ferrado, vermelho como o pimentão de horta, famosíssimo e inigualável tempero alentejano.


O outro petiz, com alguns dentes que não viam pasta dentífrica há, correcção, que nunca devem ter visto pasta dentífrica, também contemplativo, sonhador, sobre a toalha. Cabelos grandes, oleosos, num resquício qualquer de um grunge definhante com um puchinho a apanhá-los.


Por fim, a mãe. Orca. Grande. Parecia ter sido apanhada pelo acaso numa qualquer traineira e abandonada à sua sorte tendo dado à costa e, se efectivamente uma, teria honras nas notícias das oito. Orca deu à costa alentejana . Biólogo tenta descobrir razão do desnorte do animal. Provavelmente terá sido ferida por uma rede piscatória dedicada às sardinhas. Incorrigível. Inenarrável.

Posto isto, o volte-face.

O senhor ultra-bonacheirão levanta-se e observa companheira e filhos. Pára. Dois passos, uma observação atenta e cuidada com e sem óculos. Contemplação. Uma espreguiçadela e lá vai ele. Saco de praia da esposa, com estrelas do mar e peixinhos amarelos, saca do protector solar. Piz Buin factor 40. O que se segue foi, asseguro-vos, da maior ternura que já vi nas praias nacionais. Aliás, no território nacional. Vindo dos mais improváveis personagens.

Um a um, borrifou-os a todos com a protectora substância. Com cuidado, dedicação, devoção, a minha pele arrepiou-se, garanto. Os filhos, deitados na sonolência profunda nem pelo pulverizador deram. Mas este, o senhor mais velho, o pai, enquanto borrifava a mulher não se borrifava nela. E isto foi tudo.

Cabelo para o lado, borrifa as costas. Sobe o fecho do soutien, terno, delicioso. Psscchhht, psscchhhht. Baixa mais um pouco, chega ao fondoschiena. E agora? Terror, receio, temor. Viro-me para o lado e leio o jornal? Não, já agora deixa-me lá ficar mais um pouco, que se dane, não há-de ser assim tão terrível.

Nada, simplesmente nada. O acto mais singelamente belo que assisti num passado recente. Carinhosamente, o senhor baixa um pouco, ma non troppo, as cuequinhas (tamanho XXXL, possivelmente) da senhora, dobra-as para dentro, borrifa-a, volta a subir, cuidadosamente, e só no final, depois da família tratada com a segurança que um sol forte exige, toma ele próprio as devidas precauções.

Belo.

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